Deixaremos a música no Brasil à sorte de cada um ?

Braz Delpupo Neto
5 min readDec 12, 2020

Moro no interior do Espírito Santo em Alegre, pequena cidade de menos de 30mil habitantes.

O que venho propor aqui é uma análise de como a música se organiza nessa pequena cidade e, fazendo isso, podemos exagerar e criar o “tipo Alegre com o trato da música” que pode ser compartilhado por outras cidades em todo Brasil. Não será fidedigno com toda cidade, mas será uma boa caricatura para se pensar.

Para os que tem interesse em aprender música em Alegre, haverá três formas de se organizar para entrar nesse âmbito musical, caso o interessado tenha condições financeiras para tal. Um deles é pagar uma aula particular com algum professor, podendo ser até virtualmente. Outra é a instituição da igreja, que educa muitos músicos há muito tempo já. A última é o aprendizado em volta de uma música que não necessariamente requer um conhecimento sobre a música teórica, mas muitas vezes apenas de um conhecimento técnico sobre um aplicativo para modular a voz, inserir ritmos etc. Ainda há a possibilidade de se ter nascido numa família de músicos, mas que é algo tão contingencial, que não levo em conta para a análise.

É evidente a falta de democratização das artes nesse meio. A necessidade de se ter internet, dinheiro para compra do instrumento, dinheiro para as aulas e tempo, tiram muitas pessoas da capacidade de aprenderem música e ao final, serem muito gratas por poderem usar de seu talento até o final da vida como forma de expressão e respirarem com uma diversidade cultural maior.

Mas uma coisa que ainda acho pertinente é a análise do produto cultural da música quando organizamos ela de tal forma. Vejamos então, como funciona as organizações para se aprender música e sua eficácia ou não em educar musicalmente a população.

Como uma via para se disseminar a música, o caso do rapaz que pretende aprender música com um professor particular não funciona do ponto de vista de educação de uma população, sendo esses, poucas pessoas geralmente de classe média, que por sorte, pode se juntar com outros músicos que estão numa condição parecida ou na mesma. E o resultado da qualidade cultural que isso pode gerar é algo totalmente imprevisto, talvez nem gere nada e acabe em um menino tocando violão sozinho, sem aprendizado.

E a igreja? Deveríamos deixar a educação musical na mão exclusivamente da igreja? Sei que a igreja é a instituição mais sólida dos exemplos que estou propondo, mas ela por si só, nem se propõe a fazer uma educação musical para as pessoas utilizarem da música como forma de expressão pela música em si, mas para adorar ao Senhor. E do ponto de vista da educação, apesar de muitos conseguirem se tornarem excelentes músicos, acontece de muitas pessoas, até que são religiosas, não se encaixarem dentro dessa didática e estarem, muitas vezes, limitadas ao estilo musical gospel. Não que isso seja ruim para igreja, mas do ponto de vista da educação musical e cultural não é a mais abrangente possível.

Agora, chego ao exemplo das pessoas que produzem músicas por aplicativos, muitas vezes sem nenhuma necessidade de se ter instrumentos. Os que seguem essa linha, tendem a estar no movimento do hip-hop e trap. Geralmente, elas conseguem formar seus grupos de artistas e criam uma comunidade em que eles se sintam pertencidos, e isso é uma característica bem importante do movimento que tem suas raízes em críticas socioeconômicas. Do ponto de vista cultural e crítico ela é muito profícua. Porém, percebo, também que cabe uma análise das pessoas que estão ligadas a esse movimento, entretanto, estão ligados mais a uma letra e estilo de vida que mostra a ostentação de dinheiro, drogas, mulheres etc. Esses rappers, então, não pretendem se ligar às raízes do hip-hop que foi com a crítica social, porém apenas representar suas próprias subjetividades. Talvez isso se retroalimente com algumas pessoas de classe média que, querendo assumir alguma identidade que a escola não proporciona, se direcionam para esse estilo de vida “ostentação”. Só quero deixar claro que existir esses 2 lados do hip-hop, não descaracteriza a importância e qualidade do movimento, mas o que busco analisar é a questão de como está se dando a educação musical e seu produto cultural.

Se essas são as condições que estamos, e elas continuam se reproduzindo assim, podemos perceber a grande força que a música tem como uma forma de expressão que não escapa a vida humana. Portanto, o que devíamos fazer para impulsionar isso, é democratizar a música melhor, termos educação musical nas escolas, projetos de músicas financiados pelo governo ou organizações sem interesses lucrativos para essa educação, como a banda Lyra Carlos Gomes que existe em Alegre, porém por falta de investimento não consegue atender toda população nesse quesito. Assim nós impulsionaremos a capacidade de manifestação dos principais movimentos culturais já postos e aumentaremos a pluralidade dos gêneros musicais e cultura. Imagine só, termos grandes manifestações culturais com a dança e música do funk, um espaço para o hip-hop acontecer, uma educação musical que pretenda cativar, para os que se identificarem, com músicos do Brasil quase esquecidos como Toninho Horta e Laurindo de Almeida e gêneros musicais como o jazz que mal tem espaço no Brasil, que talvez não tenham espaço justamente pelo Brasil dispersar a música para a sorte de cada um. Essa seria uma forma de quebrarmos a dispersão na sociedade que hoje em dia vivemos, a vida do empresário-de-si-mesmo, trabalhando disperso na sociedade sem nenhum contato com comunidades para dar um senso de pertencimento. Então tiraremos a música de uma condição que depende exclusivamente de uma vontade interior para algo que é uma coisa que todos merecem tentar aprender.

É evidente o sucesso dos EUA em manter suas escolas de jazz gerando uma série de músicos excelentes e que geram uma mescla de cultural, como o Acid Jazz, Jazz Rap etc. Haverá um grande buraco na nossa cultura se deixarmos ela ao deus dará. Ou cairmos em um ato de valorar a qualidade de tal cultura pela sua capacidade de se pôr na mídia. Seria abandonarmos as orquestras de música clássica só por que elas dependem de investimento estatal. Uma condição que estamos hoje é que, os artistas que são grandes músicos, geralmente não são amados pela sua cidade natal, e se eles têm capacidade de realmente fazerem muito sucesso, geralmente saem do Brasil.

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