De Sócrates até nós, o ser não pensante.

Braz Delpupo Neto
3 min readDec 20, 2020

É dito que algumas pessoas riam de Sócrates e o chamavam de louco.

Primeiro é importante dizer que Sócrates fazia perguntas do âmbito moral, como o que é a justiça, a devoção, o belo, o bom. E nessa conversa em algum momento, pelas perguntas de Sócrates, era respondido duas premissas e uma negava a existência da outra, elas não podiam existir juntas. Era um paradoxo: ou assumia uma das premissas como corretas ou anulava as duas e recomeçava a investigação. Então, revoltados, perguntavam a Sócrates qual a resposta dele e ele não tinha tal resposta, sabia que era ignorante quanto à tal pergunta.

Talvez você já tenha ouvido: “Se continuar estudando assim, vai ficar louco. ” Estranho, não?

Quem diz que vá ficar louco se estudar talvez seja um tipo não afeito à reflexão. Tem medo de pensar para não se complicar. Preferem só receber ordens, ouvir discursos prontos e repeti-los. E não percebem isso, se acham inteligentes, detém conhecimentos que estão tão fixos em suas cabeças que não precisam nem pensar profundamente para dize-los, basta por autoridade de sua vida proferir uma frase ou dizer o que ouviram de um político que têm apreço que encerra toda discussão.

Se levarmos um tipo desse a sério pode ser que entendamos porquê se ria e chamava-se Sócrates de louco, e ainda o porquê para elas ficar-se-á louco se estudar.

Ao se depararem com muitas dúvidas não entendiam como Sócrates podia sobreviver em meio a esse monte de questões. Não suportavam saber que não sabiam, por isso se aborreciam. Mas buscavam algum tipo de autoengano para perpetuarem como sabedores, como chamar Sócrates de louco. É muito cômodo não pensar.

As perguntas de Sócrates requisitavam uma conversa muito sincera, como nos lembra Cioran. E esse necessitava de uma resposta sincera. Rir de Sócrates era o meio de não entrar nessa sinceridade, e isso caracteriza uma forma de fuga da própria vida já se não se pode ser sincero consigo mesmo. Uma fuga da própria filosofia! Do espanto, como diria Platão. É uma vida contra o conhece-te a ti mesmo: já que me considero justo, eu teria que saber o que é a justiça.

Não há semelhança entre os que se insurgiram contra Sócrates e o tipo confuso ?

Para lembrar um texto de Pascal, “Três discursos”, é dito que o homem que se acha superior aos demais por sua condição na sociedade, que ele acha ser natural, esqueceu de si mesmo. Para ele é muito difícil se lembrar que não tem nenhum motivo que Deus deu para se colocar acima dos demais, portanto, teve que esquecer de si mesmo, de sua própria condição natural.

Essa situação de Pascal é diferente da de Sócrates. Uma é Sócrates combatendo a presunção (hybris) de Atenas, outra é Pascal querendo alertar aos nobres e reis sobre sua natureza. Porém podemos achar pontos em comum. Os dois agem como moscas em um cavalo, fazem a necessidades de serem levados com sinceridade e querem fazer as pessoas examinarem sua própria vida.

Mutatis mutandis, desde antes de Sócrates há o ser não reflexivo. E para isso existe o filósofo, a escola, a civilização. Para tirar esse ser do repouso de crenças. É isso que tem que ser efeito: dispor instrumentos para a população pensar. Caso contrário, ela ficará na mão de charlatões como Bolsonaro e Steve Bannon, mestres na arte da confusão e querendo cativar outros confusos.

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