Casa Neoliberal

Braz Delpupo Neto
2 min readMay 1, 2021

-Mãe, comecei a pensar aqui. Mas que ideia estranha essa de devoção a todo custo… tudo isso por uma vida que não é essa que temos, a transcendência! Como que isso vingou na sociedade de maneira geral? Quanto nós humanos pagamos por isso. E pior, que obscuros motivos que há por trás dessa guinada do espírito humano.

-Filho, a coisa é simples. Transcendendo ou não, cada um tem sua opinião, todos levam a vida do jeito que acham melhor! E você quer saber? Eu não estou rasgando dinheiro nem comendo merda, não estou louca. Quanto aos outros, que eles se encaixem e levem tudo do jeito que conseguirem, podem transcender, retranscender, distrancender… Enfim, cada um tem sua opinião!

-Com calma aí, acho que vale a pena algumas considerações sobre isso. Diante do problema do “cada um tem sua opinião” eu esqueço o da metafísica e os ideais ascéticos. Por favor, me ouça; não era eu vivo para fazer tal comparação, mas ouvi falar, e a coisa é o seguinte: antigamente haviam sindicatos fortes, comunidades de bairro, emprego com patrão, indústrias lotadas de pessoas e tantas outras coisas que entregavam ao cidadão, sem ele perceber, rituais e uma conexão direta com a sociedade. Mas demos uma guinada para a atomização. Do nada, a fábrica se maquinizou; o Estado de Bem-Estar Social minguou; o operário virou “empresário de si mesmo”, o dinheiro passou a se aumentar só precisando dele mesmo, sem produtos; os sindicatos ou acabaram ou perderam força. Enfim, perdemos nosso contato com o que impedia a atomização, essa foi uma das entradas do neoliberalismo no modo de vida! Por isso não acho que sua frase “cada um tem sua opinião” é uma frase isolada. Engraçado pois ela tem algumas metamorfoses em outros campos: “cada um é cada um”, ou mesmo a própria noção de sucesso individual dependendo somente da pessoa. Creio esse vocabulário individualizante ser produto desses nossos tempos. E tudo isso numa época em que estamos mais conectados do que nunca! Nunca produzimos tanto em grupo como hoje, em rede. É dessa atomização que precisamos sair.

- Muito persuasivas suas palavras, me provocaram, filho. Mas são elas, primeiro, muito dissonantes nas conversas, e em segundo e principal, cada um tem sua opinião, não se pode generalizar tudo.

Essa conversa caricata se dá em de uma casa e entre uma mãe e seu filho, mas ela poderia ocorrer em qualquer lugar com outros protagonistas e suas peculiaridades nas mais diversas relações de interdependência e poder.

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